Olá pra quem decidiu gastar um tempinho me lendo!
Eu venho sentindo falta de um espaço pra jogar umas divagações que ficam corroendo meu cérebro e não me dão paz. Eu geralmente estou ativa no Bsky e em menor dose no Instagram, mas nenhuma das duas plataformas é adequada pra textão. Em outros tempos eu abriria um tópico num fórum pra discutir o que quer que fosse ou... criaria um blog. Ninguém mais lê blog hoje em dia, mas tudo bem, eu só preciso extravasar e acho que o formato ajuda.
Então pra inaugurar o blog eu queria falar sobre o desconforto que sinto ao tentar conciliar minha consciência política com alguns dos meus hobbies.
Desde a infância o Natal sempre foi minha época favorita do ano. Não tinha uma coisa em particular que me cativava na data, mas sim uma coletânea delas... fim de ano com férias escolares, ganhar presente da família, comida boa e em quantidade, festividades, a ilusão infantil de amor entre familiares e principalmente casa e ruas decoradas. A decoração era o ponto alto da época pra mim, eu contava os dias pra poder montar árvore de natal, colocar pisca na janela e sair na rua vendo as decorações alheias e eu trouxe esse sentimento comigo pra vida adulta.
Eu amo decoração. Foda-se o minimalismo, Bauhaus de cu é rola. Eu gosto de deixar minha casa enfeitada, eu gosto de decorar meu ambiente de trabalho, eu gosto de ver as coisas com vida e personalidade, independente da época do ano. Se tá me deixando feliz, não é inútil, não importa se é cacareco barato que eu comprei no AliExpress pra pendurar na minha parede ou apoiar na mesa. Se eu não faço mais decoração, é porque eu não tenho espaço, dinheiro ou permissão (infelizmente o trabalho impõe limitações).
E exatamente por isso eu meio que enlouqueço com decorações temáticas em certas épocas do ano, em particular Páscoa, Halloween e obviamente o Natal. Eu tenho várias caixas organizadoras grandes com tudo guardado esperando o momento adequado do ano pra montar e todo ano eu acrescento mais alguma coisinha. Espaço pra guardar tudo isso inclusive tem se tornado um problema, porque as caixas são volumosas e minha casa é bem pequena, mas eu não abro mão disso. Eu ainda não adquiri o hábito de decorar em junho pra festa junina por uma série de motivos que não cabem aqui, mas existem planos pra isso também no futuro. Ver a casa enfeitada me deixa realmente feliz.
E aí que ser politizada é uma merda, porque eu não consigo curtir em paz uma coisa que me faz tão bem.
Pra além de discussões mais extremas sobre consumismo, produção de mais plástico e gasto de energia elétrica com iluminação num momento de cataclismo ambiental (porque eu não vou deixar de ligar meus piscas no fim do ano pra sobrar energia pra datacenter gastar com IA), o que pesa muitíssimo pra mim é a questão cultural de dar tanta ênfase em datas como Halloween, Natal e até mesmo a Páscoa. A maneira como essas datas é construída é totalmente pautada pelo hemisfério norte, em particular os EUA. De um ponto de vista puramente racional e lógico, não existe o menor sentido em decorar sua casa com neve e renas quando lá fora tá um calor de 40 graus. Halloween não faz parte da nossa tradição, crianças brasileiras não saem na rua pedindo gostosuras ou travessuras. A Páscoa deveria ser mais universal, mas toda a decoração dela remete ao início da primavera, quando no Brasil nós estamos entrando no outono. Todo o conceito que criamos no nosso imaginário é imposto pelo norte global. Isso me deixa muito desconfortável.
E no entanto eu não consigo deixar de gostar de tudo isso. Por mais que não faça o menor sentido, por mim coloca flocos de neve em dezembro e vida que segue, o importante é ser feliz. O desconforto nunca foi realmente embora, mas era algo que eu era capaz de lidar sem maiores consequências na minha mente.
E então começou o mandato novo do Trump. A laranja podre despirocou de vez e eu não preciso dizer tudo que está acontecendo, cada dia é um absurdo novo nos jornais. Não que as coisas fossem boas nos EUA antes, mas elas estavam ruins dentro de "padrão de normalidade" com o qual crescemos e já estávamos acostumados. Era horrível, mas não era nada de novo, eu já estava dessensibilizada e isso não me afetava tanto assim mais. Talvez tenha sido um erro ter ficado dessensibilizada pra começo de conversa, mas isso aconteceu, é fato, remoer isso não vai mudar o passado.
Só que agora a coisa toda tá muito escancarada e não dá pra ignorar.
Com isso, de repente eu sinto como se engajar com os hobbies que eu trago comigo desde a infância fosse uma maneira de endossar tudo que esse país está fazendo, num viralatismo brutal e sem vergonha. Talvez fosse o momento de abrir mão de tudo isso e tentar me descolonizar? De buscar decorar a casa de outras formas? Honestamente, eu não acho que isso seja a solução.
É verdade que essa cultura foi imposta, mas querendo ou não eu cresci com ela, então de certa maneira ela é sim minha cultura. Foi o que permeou a minha infância, adolescência e grande parte da vida adulta e ajudou a formar a pessoa que eu sou hoje, como dizer que isso não faz parte de mim? Eu não consigo simplesmente jogar isso tudo no lixo só pra me desvincular desse país amaldiçoado e eu nem quero fazer isso. E como minha psicóloga me disse uma vez, não é como se deixar de decorar a casa pro Halloween fosse acabar com o imperialismo norte-americano.
Ainda assim o desconforto permanece, hoje em dia eu não consigo ficar completamente em paz em simplesmente curtir meus hobbies sabendo que eles estão tão enraizados numa cultura dessas. É a sina de não ser alienada.
O que eu tenho tentando fazer e internalizar é agir como o movimento antropofágico do modernismo brasileiro e consumir o que vem de fora, mas criar uma identidade nossa ao fazer isso. O que mais resta? São coisas bestas, mas que eu sinto que fazem diferença. Não tenho intenção de eliminar as renas da decoração de Natal, mas eu venho tentando incorporar capivaras natalinas na decoração, porque eu acho que isso encaixa mais com a nossa realidade. Eu ainda tenho meu pinheiro de Natal tradicional, mas também plantei uma araucária num pote enorme porque gostaria de ter um pinheiro nativo pra decorar nessa época do ano. Agora estou aprendendo modelagem 3D e eu quero fazer uma abóbora pescoço pra decoração de Halloween, diferente da abóbora moranga que normalmente utilizam. São coisas pequenas, mas eu sinto que ajudam a internalizar mais essas datas. É um jeito de deixar essas coisas com a nossa cara.
Isso é uma solução? De maneira alguma, eu ainda não sei bem como lidar com essa situação, mas por ora eu não tenho intenção de deixar de fazer algo que me faz bem e que não está realmente fazendo mal pra ninguém. "Endossar a cultura do norte global" é um conceito muito difuso e sem beneficiários diretos e claros, não estou ativamente financiando uma organização ou autora ruim, então por ora eu estou ok com isso.
Me reservo ao direito de mudar de posição dependendo do que acontecer amanhã ou depois, mas encerro com o vídeo da campanha do Guaraná Antarctica de 2021, que entrou na minha playlist oficial de Natal desde então. Sim, é marketing, é empresa, é capitalismo, não tem como a gente fugir disso e é uma merda, mas traduz o espírito do que eu tô tentando dizer.
Com o mundo em chamas do jeito que tá, acho que qualquer coisa que traga um pouco de felicidade é bem-vinda.